Páginas

23 de janeiro de 2012

UMA BREVE LEITURA DA MPB com Bruno Ribeiro - Por Juliana Brito

1- Qual a leitura que você faz da MPB hoje?

Bruno Ribeiro - Jornalista e Secretário de Cultura
R: Inicialmente, vale dizer que a sigla MPB é muito ampla. MPB significa Música Popular Brasileira. Nessa definição cabe quase tudo - o samba de Cartola, passando pelo baião de Luiz Gonzaga, pelo frevo de Capiba, pela moda caipira de Tonico e Tinoco, pela balada romântica de Roberto Carlos, pela ciranda de Lia de Itamaracá, pela bossa nova de João Gilberto etc. O rótulo MPB foi criado no fim dos anos 60 e início dos anos 70 para definir o som de uma geração de cantores e compositores universitários que vinham se destacando nos festivais e que faziam um tipo de música que podia flertar com a bossa, o samba, o soul e outros gêneros, sem contudo se filiar a nenhum. Eram os casos de Chico Buarque, Ivan Lins, João Bosco, Aldir Blanc, Elis Regina, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Gonzaguinha etc. Ao som que esta turma fazia foi dado o nome de "MPB". Esta marca, porém, limitou um entendimento mais amplo do conceito de "música popular brasileira", na medida em que autorizou apenas um grupo de artistas da classe média e de formação universitária a falarem em nome da "MPB". Como afirmar, por exemplo, que Jackson do Pandeiro, ou Nelson Cavaquinho, ou Elomar não fizeram ou fazem "MPB"? Como excluí-los deste time? Pois é o que faz o rótulo. Dito isto, vejo a "MPB" de duas formas: a MPB "real" - entendida aqui de maneira mais ampla - continua sendo a melhor do mundo e continua viva apesar da globalização. Basta fazer uma viagem pelos rincões do País para perceber a força e a vitalidade de nossa música popular e regional. Já a MPB "oficial", que é a MPB da mídia e da indústria fonográfica, está mais decadente do que nunca, com uma série crise de identidade, refletida na ausência de bons letristas, de bons músicos e de bons intérpretes.  

2- Na transição da Bossa Nova para a MPB, perdeu-se muito?

R: Não penso dessa forma. Cada período tem sua beleza e cada gênero a sua importância. Não sou do tipo saudosista que se apega ao passado ou que gosta de fazer comparações. As coisas mudam, porque a história é movimento. Que bom que houve Tom Jobim e Vinícius de Moraes, mas que maravilha é poder ouvir hoje um violonista e compositor como Guinga e sentir nele a mesma genialidade. Só não vê quem não quer. Ou melhor, quem não ouve.

3- Qual a principal diferença que podemos apontar nesses dois gêneros?

R: A bossa nova é um gênero musical definido - tanto que há livros de estudo que nos ensinam a tocá-la ao violão. Já a MPB não é um gênero, mas um rótulo, ou seja, não dá para definir a MPB. O que é MPB? Ninguém é capaz de definir tecnicamente a MPB porque a MPB não existe fora do rótulo. Como eu disse anteriormente, MPB foi um termo criado para definir o som da geração pós-bossa nova. Tim Maia cantava blues e soul. Chico Buarque fazia samba. Gilberto Gil e Rita Lee cantavam rock. Todos foram inseridos no mesmo balaio da MPB. Não há nada que os conecte a não ser o fato de serem contemporâneos. 

4- A Bossa Nova teve seu ponta pé inicial em âmbito universitário, onde ocorreram os primeiros festivais, em sua opinião esse descolamento dos jovens com o gênero, é negativo?

R: O descolamento dos jovens com a bossa nova não é positivo ou negativo. Ele é apenas natural. Se a juventude ficasse sempre atrelada à música de seus pais, estaríamos compondo polca, valsa e maxixe até hoje. É importante dizer ainda que a bossa nova tem sido cada vez mais usada como base para a música eletrônica e tem sido reiventada, de várias maneiras, por uma quantidade realmente grande de músicos e intérpretes da novíssima geração. Não há razão para pessimismo.  

5- Um gênero que sofreu grande influência do jazz e da musica soul americana, perde a sua originalidade Brasileira?

R: Depende. Se a bossa nova apenas se limitasse a imitar ou a reproduzir o jazz americano, teria perdido a sua identidade. Mas qualquer análise técnica sobre a bossa irá demonstrar que ela, na verdade, inventou uma nova forma de se tocar o moderno samba carioca. Em suma, ela promoveu uma reformulação estética ao acrescentar, à batida do samba, a harmonia do jazz (João Gilberto) e o seu improviso (Zimbo Trio). Se a bossa nova foi influenciada pelo jazz, ela também o influenciou de maneira decisiva - tanto que, atualmente, muitas universidades de música nos Estados Unidos incluem aulas de bossa nova em suas grades. A bossa é o jazz brasileiro.  

6- A Bossa Nova cresceu sob forte impacto político, as letras criadas hoje ainda carregam esse reflexo?

R: Na verdade, a bossa nova nasceu e atingiu seu ápice (1959 - 1963) antes do golpe militar, de modo que só foi enfrentar a pressão pelo engajamento político a partir de 1964, com o advento da ditadura. A partir desse momento, ela passa a ser tida como "alienada" pela maioria dos estudantes - que a "abandonaram" para abraçar a chamada "música de protesto" - que tanto podia ser a música nordestina de João do Vale, o samba de morro de Zé Kéti ou a canção urbana e intelectual de Chico Buarque. Alguns bossanovistas ligados aos Centros Populares de Cultura da UNE - os CPCs - como era o caso de Edu Lobo, Marcos Valle, Carlos Lyra e Nara Leão - romperam com as letras da bossa nova agora rotuladas de "burguesas" - céu, mar, flor etc - e trouxeram para dentro do gênero letras de cunho feminista, ou que falavam de favela e sertão, e criticavam a própria bossa nova. O "braço armado" da bossa, "compromissado" com as causas populares, teve sua força num determinado período, mas hoje é muito pouco lembrado ou regravado, porque suas letras ficaram datadas, presas àquele espaço temporal.  

7- Você acha que a Bossa Nova é mais ouvida e valorizada em outros países?

R: Não sei se os outros países ouvem mais bossa nova do que o Brasil. Ocorre que países como Estados Unidos, França e Japão - só para citar três exemplos onde a bossa nova apresenta grande penetração - têm uma cultura musical bem centrada na música instrumental, enquanto o Brasil é reconhecidamente o país da canção, dos grandes letristas, da música com mensagem... Na bossa nova, a letra não é o mais importante - embora tenha tido seus bons momentos. O mais importante é a harmonia e a divisão do canto - que são características da linguagem do jazz.

8- Como Secretário Municipal de Cultura em Campinas, você pretende realizar algum projeto voltado para esse gênero musical?

R: Não há, até o momento, um projeto específico para a bossa nova, até porque uma Secretaria de Cultura deve contemplar todos os gostos. Mas certamente traremos músicos de jazz e bossa nova para se apresentar no projeto Noite da Seresta, que acontece mensalmente no coreto da Praça Carlos Gomes.







Nenhum comentário:

Postar um comentário